domingo, 24 de julho de 2016

VIII


         Sou um ser humano com a idade do tempo.

Sempre sonhei escrever um livro que contasse a palavra. Palavra foi o nome que decidi dar a tudo o que amo. Por isso, é comum eu dizer para quem me conhece que tudo o que olho é palavra. Tenho a palavra tatuada em meu olhar. Falo para todos que nasci das palavras, mas poucos acreditam. Não me importo. Sou o que eu quiser ser.
A menina que palavra com pano, vento e letras me disse certa vez que, quando se deparou com o sem rumo da vida, desabrochou em ser pura felicidade. Àquela altura eu não entendia muito bem seu dialeto. Estava muito crua para me ser. O bom é que, sendo, fui aprendendo de tempo e vi que pano, vento e letras são o corpo da palavra. Da minha palavra. De modo que, chegado o ponto final, não havia fim, mas o arremate que nos desaguava em nova criação. Ponto final nunca é fim, querida, mas concentração do que somos, me dizia a palavra.
O que eu desejava mesmo era ser uma palavradora. Alguém que busca nas asas de um beija-flor a gramática da vida. E esse desejo é o que me faz, ainda hoje, viver a vida que me vive. Se escrevo o que escrevo, não é para mostrar ou dizer algo a alguém. Eu só gosto de olhar as palavras fazendo amor no texto. As letras são tão puras. Sabem ser toda entrega. Talvez por isso não briguem umas com as outras só porque se repetem em palavras diferentes.
Texto é universo. A magia de sua harmonia está no convívio em sentido presentado por entre as palavras. As palavras não brigam como os homens. Não declaram guerras umas contra as outras, nem se sentem traídas.
Certa vez, enquanto flamingava garatujas de rios nas estrelas, tentaram costurar botões em meus olhos. Por sorte, palavra veio em sua carruagem feita de tempo e, com gotas de alfazema, me sequestrou para o seu corpo. É de dentro dele que falo.
Aprendi com palavra e tempo que eu precisava me educar. Educação era verbo de passar por entre as pernas do niilismo e ser. De modo que passo os dias a desenhar em meus cabelos as nuances do educar. E, ao educar, eu palavro.
Sou uma menina educada em palavrar. Tudo o que toco vira letras de fazer realidades só minhas. Em sendo palavra, declaro minha profunda entrega a ela – caminhar recolhido na sola dos meus pés: andor que carrega meus primórdios, como diria o mestre...