sábado, 25 de março de 2017

Crescer não é fazer aniversário

Muitas pessoas apenas fazem aniversário, mas não crescem. Talvez isso justifique o mundo no qual insistimos em repetir. Talvez isso também justifique o fato de muitos jovens não desejarem ou saberem crescer. Olham em volta e os ditos adultos não os espelham em sua sinceridade e ousadia. Estão, a maioria, sem referências, pois ao invés de adultos reais vêem a aberração de uma infância transformada em infantilidade. Os infantilóides não são os jovens que recusam seus adultos, mas os adultos que insistem em não crescer.

Olho para as árvores... – mangueiras! Guardo dentro da alma uma mangueira sagrada... sonho ser como ela... enfim... – e não me lembro de vê-las frutificar no instante prepotente de suas vontades. Não! Elas frutificam quando é chegado o tempo. Não apenas o seu tempo, mas o tempo da vida, o tempo da semente, o tempo do próprio tempo. Frutificam e se multiplicam em milhares de possibilidades sem se boicotar no caminho. Abrigam pássaros durante longas temporadas... e não consta que cobrem alugueis por isso, deixando-os ir sem lhes cobrar presença ou retribuição por tudo o que lhes foi dado. Mangueiras crescem de verdade, Senhores! E nós?

Fico pensando o quão pequena é ainda nossa alma, isto é, nosso olhar para o mundo, pois, vejam bem o que fizemos com o amor, o abrigo, a liberdade... Nos deixamos envenenar por palavras absolutamente falecidas das bocas que as pronunciaram e não percebemos que, ao repeti-las, ajudamos na manutenção desse mundo que já não suportamos mais. Que loucura é essa, Senhores? Ou seria excesso de racionalidade?

O fato é que desde que me dei conta disso passei a me desejar tal qual uma mangueira. Não que eu deseje ser ela, não é isso... mas desejo incorporá-la de tal modo a me permitir crescer e frutificar plenamente. As crianças estão percebendo isso e, de algum modo, demonstram prazer em brincar com meus galhos e descansar a minha sombra. Conto para elas que não existem plantas, animais, minerais, seres humanos ou qualquer outra categoria que nos possa segregar. Conto-lhes que só existe a alegria de sermos seres com todos os outros seres dentro do grande ser que é a vida. E não me venham com oposições de ordem filosófica, hein?! Escrevo o que vejo, oiço, gesto, sinto com o corpo inteiro, como bem ensinou meu mestre. Seres sim que por necessidade divina comungam o corpo da luz, para que ela própria irradiada possa se consumar.

Sim. Os seres são uma necessidade sagrada... assim como a palavra para o poeta, a luz para o pintor, o silêncio para o músico, a vida para o ator... Exercer a vida sendo com toda a realidade é ser genuinamente o encontro do sagrado com ele próprio. Por isso, em minha loucura de poeta, converso com mangueiras, gatos e crianças. Procuro escutá-los com a alma desperta de tal modo a tatuar na pele dos olhos seus mistérios. Todos me narram as verdadeiras cores do sol e, com eles, vejo o sol sempre com cores diferentes. Foi embebida nessa loucura de ser o que sou que passei a olhar com olhos de ver a magia de simplesmente crescer...

...

Havia chovido e ventado muito na noite anterior, mas mesmo assim decidiram ir. Ele estava apreensivo por conta da forte chuva que haviam pegado no caminho, mas, ao mesmo tempo, animado pois seria o primeiro momento completamente sozinho com sua grande paixão.

Depois de caminharem um longo caminho a pé, chegaram ao portão do lugar mais sagrado para ela. Imaginem o lugar onde suas almas foram forjadas em cores, aromas, voz, gestos... pois é... eles estavam diante da alma dela, e ele nem desconfiava.

Entraram.

A quantidade de galhos espalhados pelo chão era assustador e várias das mangueiras presentes no lugar estavam completamente descabeladas e aparentemente machucadas. O coração dela apertou. Sempre aprendeu a amar o vento. Sentia que mais cedo ou mais tarde se deixaria levar por ele. Mas aquele vento... por que fez isso dentro da minha alma?, se perguntava ela.

Foi então, depois de longos arrepios, que se lembrou de sua amiga, mangueira plantada na infância por ela, sua mãe e avó. Correu para vê-la. Chorou. Atingida por um raio, sua amiga estava com o corpo cindido ao meio. As raízes negras. A terra ao redor chorosa... Ajoelhou. Pediu-lhe perdão por não estar ali na hora do acontecido... por não protegê-la como havia prometido na infância. Foi para casa com a sensação de que também ela havia morrido. Aquela imagem nunca mais saiu de seu coração. Ainda naquele dia, recolheu o corpo de sua amiga e o colocou num lugar protegido, com a esperança de que pudesse fazê-lo ressurgir. O tempo foi chegando. Longo e lento como só o tempo saber ser. E todas as vezes que voltava para aquele lugar, ia ao encontro do que restou de sua amiga.

Já conformada, começou a notar que o corpo morto de sua mangueira amiga havia se modificado. A coloração das raízes e do solo a sua volta estavam diferentes... seu coração bateu forte... a árvore de sua infância estava viva! Ao romper dos primeiros galhos, chorou... Seu tronco, agora mais forte e robusto do que antes, exalava um marrom tão vivo quanto o marrom dos olhos de sua avó ao gargalhar...

Hoje ela frutifica dentro dos meus olhos... Seja lá que rumo eu tome, meus passos são sempre dentro do corpo dessa árvore... bebo da seiva de seu ser para me aprender melhor e cresço. É de dentro dela que falo agora, Senhores. Sou a intuição encarnada dessa eterna mangueira. Entre nós o diálogo é tão intenso que já não precisamos mais nos dizer uma para outra. De nós, frutos, dores e silêncios são gestados dentro dos raios para compor com a vida o desafio de eterna e internamente crescer.



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