Canoas ao mar.
Criação dos homens, dizem os sabidos.
Um dia, atentos para a Razão, eles (os
homens) decidiram andar sobre as águas, como fez o Mambembe certa vez.
Criaram-se em corpos de rasgar sal. E
acreditaram que realmente poderiam descobrir o que havia para depois do beijo
azul, aquele mesmo pintado por Toquinho.
Não conseguiram.
Quanto mais se aproximavam, mais o beijo
se alargava, demorando-se em ser as outras cores também.
Foi aí que tiveram uma ideia:
E se as castigássemos? De certo que não
conseguimos descobrir o tempo por serem elas, as canoas, lentas demais. Façamos
o seguinte...
E lá ficaram as pobres presas por cordas
em lugar que não pudessem sair.
Eles achavam que eram
seus donos e senhores.
Algumas ficaram lá... presas por um bom
tempo. Outras sumiram sem dizer adeus.
Foi então que um dia, sentada à beira
mar, uma cigana me contou a verdade sobre as canoas e os homens. Todas as
canoas e homens do mundo.
Ela tinha os cabelos longos e os olhos
brilhantes. Vestia blusa branca com bordados coloridos e uma saia que, ao
vento, era o próprio ventar. Não havia nada em seus braços ou pescoço. Apenas
uma flor no cabelo. Sentou-se ao meu lado e falou:
- Canoas e homens. É preciso olhar bem
seus olhos e só então ler suas mãos. Mas nada dizer é o que mais diz. Homens
acham que fazem as canoas. As canoas acham que são feitas por eles. Esse tipo de
canoas e homens reduzem pedras à obstáculos e tronco à possibilidade de
amarração. Ficam lá, presos um no outro sem nada ver.
Canoas e homens. Poucos descobrem a
verdade. Queres saber, minha menina? Isso é mistério. Vou-lhe contar, pois
estás iniciando-se em ser o que és. Então, escutas com atenção...
Canoas e homens nascem porque morrem do
mar. É ele e só ele quem os faz. Tudo o que vês composto e descomposto em seus
corpos é sal... é pó. Só por isso podem nele pousar. Os que descobrem isso
costuram os olhos com vento, como o Mambembe. E assim não desejam mais
descobrir coisa alguma. Descoberta alguma é válida se nela não houver ondas mar
violentas. É preciso ter os olhos cobertos por areia e sal. Só assim, minha
menina... só assim. Agora que já sabes, aprende tu a desamarrar os nós e, com
vento, costurar teus olhos. Seja tu a tua canoa e tu mesma”.
Assim ela foi embora como nunca mais
saísse de mim. Ainda hoje me pergunto como farei para costurar meus olhos com
vento. Sinto dor todas as vezes que tento. Recuo, mas persisto: quero ser.
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