sábado, 3 de outubro de 2015

Passarinho de mar é barco, XI

Certa vez, decidi que colheria flores. Passei a olhar todos os lugares com olhos de procura. Nada me satisfez. Fui a todos os parques, todos os bosques. Olhei para todos os chãos. E nada. Passava por várias flores, de todos os tipos, cores e formas. Nenhuma me dizia. Não importava se estivessem pisoteadas ou comidas por vermes. Simpatizo com a dor. Elas apenas não me diziam. Por um momento, cheguei a acreditar que deveria desistir. Estava na cara que o problema era eu.

De fato. Por algum tempo meu olhar esteve cansado de ouvir o chão. Daí o excesso de procura. Hoje, ainda sem flores, desconfio que na verdade eu não decidi nada. A vida não exige de nós que a busquemos. Foi então que abandonei a ideia de colecionar flores.




No abandono instaurado, as flores estão aos poucos surgindo sem que eu as espere. Já não espero mais por elas. Desconfio que minha vontade era o disfarce das flores diante da querência que são de me colecionar.

As flores me querem para ser o seu perfume. Coisa mais difícil essa de ser o que não se pode ver. Não consigo me ver colecionada no perfume das flores e, por isso mesmo, o sou. E a cada flor que me colhe, meu olhar acolhe o corpo do mundo. Cumpro a dispersão.

Eu não sou o tempo. Eu tempo.

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